Cruise ou Neutro: Qual forma seria mais eficiente?

Diversas vezes encontrei nesse fórum dúvidas sobre se é possível reduzir o consumo de bateria em viagens usando o Neutro (ponto-morto) do BYD Dolphin em descidas para economizar bateria. E nessas conversas, li vários relatos anedóticos (baseado em observação e sem base científica) defendendo que a economia da prática seria muito relevante. Apontei alguns erros honestos nos relatos apresentados, como comparar trajetos em uma direção com o mesmo trajeto na direção contrária (ida com a volta), pois a altimetria inversa certamente influencia muito o consumo da bateria. É bem fácil ver que descer uma serra não pode ser comparável a subir a mesma serra no consumo da bateria.

É sabido que a prática de desconectar o motor, elétrico ou não, de um carro em uma descida acrescenta algum risco à condução, pois, resumidamente, o motorista perde o controle de aceleração do carro e o veículo tende a ganhar mais velocidade na ânsia do motorista em aproveitar ao máximo a energia da descida para a próxima subida. O risco pode ser pequeno, mas existe.

Pessoalmente acredito que não faça nenhuma diferença relevante no consumo da bateria, principalmente considerando a regeneração dos veículos elétricos que não existe nos carros à combustão. Afinal, ao iniciar uma longa descida, grande parte da energia potencial deveria ser armazenada nas baterias pelo freio regenerativo ao invés de convertida em energia cinética (mais velocidade). Mais velocidade significa mais arrasto aerodinâmico, que escala de forma quadrática, então sempre imaginei que não haveria ganho, e talvez até perda quando comparado ao freio regenerativo.

Então, cada vez que eu vejo uma descida dirigindo o Dolphin GS eu lembro desse problema não resolvido: será que as pessoas estão correndo mais risco por nenhum benefício?

Enfim, eu decidi investigar de forma científica.

Fiz dois vídeos no mesmo local que apresentava uma descida razoável para o teste. Em um vídeo eu desci no Neutro e no outro desci com o Cruise ativado, com velocidade inicial igual em ambos os casos.

Ao analisar o resultado, tentei ser rigoroso, olhando os vídeos frame por frame, anotando a medição de potência no painel e calculando a energia utilizada por cada trecho em KW/centésimo de segundo (KW/cs). Obviamente há fatores fora de meu controle, como vento. Adicionalmente, a precisão de início e fim do trajeto é limitada e baseada na observação da posição do veículo pelo vídeo.

Mais uma consideração: Eu suponho que o valor mostrado na regeneração para carregar a bateria seja precisa, ou seja, já desconta as perdas na geração. Eu tomei essa decisão por dois motivos:
1- Carros com bateria LFP exigem precisão na monitoração da corrente de carga e descarga da bateria, pois disso depende o cálculo de carga de bateria restante.
2- A minha experiência de recarga no Dolphin é essa: quando faço a conta de quantos porcentos faltam para a carga máxima e comparo com a potência de carregamento que aparece no visor, a conta é praticamente correta. Exemplo: se coloco o carro para carregar com 50% de bateria a 3kw/h, o carro leva mais ou menos 7,5 h para carregar, o mesmo que a conta 45kwh/2(50%)/3kw/h.

De qualquer forma, a planilha que criei permite ajuste na perda de regeneração, mas eu mantive em 1, que é 100%, ou seja, o mostrado no painel é a corrente que a bateria está efetivamente recebendo. O valor pode ser ajustado. Por exemplo: se for colocado um valor for 0.7, todo valor de kw abaixo de 0 será penalizado em 30%, por exemplo.

Dados do teste:
Linha de partida: a posição do carro quando a marcha está em ponto morto (neutro) e o consumo de energia é zero. A velocidade do carro nesse momento era de 79 km/h, o cruise estava ativado a 80km/h e desconectou ao mudar a marcha para neutro.
Linha de chegada: A linha de chegada é a posição do carro quando o painel de instrumentos marca exatamente 79 km/h, a mesma velocidade inicial.

Os locais/tempos de linha de partida e de chegada no vídeo do cruise foram identificados por objetos na rua e as faixas da estrada.

O resultado segue abaixo:

Hora no vídeo do início do Neutro: 00:11.13
Hora no vídeo do fim do Neutro: 00:41.73
Energia consumida no teste de Neutro: 0 KW/cs

Hora no vídeo do início do Cruise: 00:58.88
Hora no vídeo do fim do Cruise: 1:29.36
Power consumed on Cruise test: -221 KW/cs

Resultado final: O carro foi ligeiramente mais eficiente quando estava no controle de cruzeiro (piloto automático) do que quando a marcha estava em ponto morto (neutro) em uma descida, mas a diferença foi insignificante. Talvez a resistência aerodinâmica adicional ao ultrapassar 80 km/h tenha aumentado a perda de energia no teste de deslizamento do neutro, mas pode ser apenas um erro na medição. O importante é saber que 221KW/cs economizados equivalem a 0,00061 KWh de uma bateria de 45KWh, ou seja, praticamente nada.

É importante ressaltar que esse experimento não é rigoroso o suficiente para encerrar essa discussão, mas SUGERE que o uso do cruise seja mais eficiente energeticamente do que o neutro em descidas e que qualquer diferença será desprezível.

Fica a minha pesquisa para crítica da comunidade e, principalmente, apontar possíveis erros.

Obviamente vou mostrar a origem dos dados. Se alguém tiver curiosidade, segue os links para a planilha com o cálculo de consumo e do vídeo.

Planilha
Vídeo do teste

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Eu fiz uma viagem com o aplicativo ABRP conectado a um dongle OBD2 via bluetooth. Ele armazena dados da viagem e do carro, e é bem legal para fazer esse tipo de análise, e várias outras.

O carro foi um Yuan Plus.

Aqui um print da dela do gráfico do ABRP no trecho de descida da serra. A descida teve velocidade limitada em 60km/h.

Note o lilgeiro ganho de carga na bateria no trecho de descida. Os trechos planos onde a carga diminuiu mais rapidamente foram a velocidades mais altes (que dá para plotar também, só não no mesmo gráfico, pelo app).

Em branco: altitude em metros
Em azul: carga da bateria em %

O mesmo gráfico pode ser plotado usando velocidade e potência (que seria carga ou descarga).

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Nem em carro a combustão é mais economico colocar no neutro, ja que todo carro com injeção eletronica tem sistema cut off há umas 2 decadas pelo menos.
No caso dos elétricos, além de não gerar gasto de bateria, o sistema do carro é projetado para recuperar bateria. Logo não faz sentindo algum usar o neutro pensando na economia, e se for levar em conta o ponto mais importante que é a segurança, fica ainda pior!
A unica coisa que acho relevante em descidas é sobre qual modo de regeneração usar.
Em descidas de baixo angulo e curtas acredito que é mais confortavel manter na regeneração baixa, que segura pouco o carro e ajuda a manter uma velocidade mais constante. Ja em serras com angulo muito inclinado, usar a regeneração alta ajuda no freio motor, por mais que o carro ao pisar no freio primeiro aumenta a regeneração, os discos traseiros(nos modelos motor em cada eixo) é ativado em toda frenagem.
Ja em modelos como o Seal, descer uma serra inclinada usando o freio não ativa os discos pois os 2 motores funcionam como freio motor, recuperando carga e evitando que o carro dispare na descida.

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Amigo, qual o OBD2 está usando? Andei procurando por alguns, mas parece existir algumas limitações de compatibilidade com elétricos e/ou ABRP.

O Vgate foi o que funcionou redondinho para mim em dois carros já, Ora GT e agora o Yuan Plus. Com o app car scanner e abrp:

Uso no android, mas um amigo usa o mesmo com iphone, e também já usou em dois carros elétricos até agora (Peugeot e2008 e Dolphin Plus).

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Muito obrigado. Já tinha visto esse modelo, mas estava com o pé atrás, precisava de um feedback antes de fechar a compra.

Foi o que fiz também. Tem trocentos dongle OBD2 no mercado, de alguns “pilas” até trocentos reais. Comprei esse pelo mesmo motivo: um amigo tinha comprado, e funcionou. Nem arrisquei outro. Talvez tenha outro barato que funcione, mas não quis me incomodar.

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Pelas leis da física não faz sentido algum colocar em neutro, até pq se fosse assim não existiria regeneração pelo motor, atuando como “inversor”.
Saindo da teoria, na prática, o carro é mais econômico de energia na cidade (relação kW x km), exatamente pela regeneração do sistema. Se eu colocasse em neutro todas as vezes que ia reduzir ou não precisar eu só ia gastar mais freio e não teria a recarga da bateria.
Já fiz observação prática na descida da serra e foi o mesmo que o gráfico apontou, ou seja, houve trecho onde a carga acumulada da bateria aumentou.
Voltando as leis da física, uma regeneração nunca será equivalente ao consumo, isto é, eu irei gastar muito mais para subir a serra do que irei acumular na descida.
É por isso que aquela história de motor contínuo não é verdadeira.

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Só acrescentando uma informação: nem todos os carros eletrificados (100% elétricos e híbridos) possuem regeneração no modo cruise control. Falo por experiência: vim do GWM Ora GT onde esta é uma das grandes críticas ao carro. O Ora simplesmente aplicava o freio para manter a velocidade numa descida, é horrível. E até pouco tempo atrás era o mesmo caso no Haval híbrido, mas parece que um update de firmware corrigiu isso lá.

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